Umas, novas, Idéias

Monday, September 19, 2005

CHUVA FINA


- Quanto custa?

A pergunta ficou sem resposta por algum tempo. Lembro-me de escadas rolantes rolando escada a baixo quase caindo na incerteza de onde ir. As vitrines cheias de manequins parados e nus. Pela janela turva e embaçada por uma chuva fina quase não se enxerga pessoas. E ela vem caminhando como um poema de estrada, sempre em movimento, sempre em sincronia exata. Mas ela passou. Forma-se mais a frente um pequeno tumulto de gente, luzes e vazia existência. Tudo cheira a frases curtas. E cada hora representa um dos passos que esqueci de dar. São canções que embalam as noites e são também as pequenas contradições que criam as canções. Beleza é uma forma de crivo, não uma sensação. A beleza é inerente aos olhos de quem vê e assim só se explica quando diz coisas sobre ela mesma. Não me admito neste mundo. A chuva aperta aos poucos como um cinto de água abundante e intermitente, repleta de adjetivos e metáforas de sintonia mais limpa, porém é apenas chuva e tem sempre a mesma compreensão de céu desabando mole sobre a calçada de minhas retinas. O tumulto vai se desfazendo e descubro ali uma pequena loja. Sim, foi quase um saque. Ainda baqueado por umas idéias que tive a tarde preferi esquecer o fato. Me custa muito sentar num banco e pensar sobre as mazelas do mundo, as pessoas e suas dores impossíveis enquanto sei bem certo que não há ninguém pensando isto sobre mim. Em pé penso menos e entendo-me sem a contração do corpo. Cada sentença que crio termina em si mesma e isso basta para não me expandir. Minhas fronteiras respiram um seco ar de ausência. E as escadas rolantes continuam seu inconstante trabalho de subir e descer sem parar, sem perceber em sua maquinal ação que passa várias vezes pelo mesmo terreno. A repetição é linda, por isso continuo. Nada é diferente. As diferenças não existem para os que preferem não ser. Durante algum tempo escrevi sobre pessoas e passagens numa espécie de desencanto para com a realidade. Atirei-me na direção das possibilidades até me encontrar nesta interminável queda. Nada é possível quando não pode ser possível. Aos poucos percebi a chuva ceder na vidraça. Baforei forte para criar página no vidro. Escrevi umas bobagens monossilábicas, apaguei com a manga do casaco. O polimento abriu a visão para a rua. Pessoas caminhavam numa fileira tão bela de guarda-chuvas, todos coloridos naquela noite sem brilho. Sim a noite é escura e sempre será haja chuva ou não. Mas aqui de dentro tão seco, tão só, posso abrigar todas as vozes que não ouço. Meu acaso é estar aqui, permanecer aqui, me esquecer aqui. Me retiro da janela pra perceber de onde vem o chamamento:

- Senhor?
- Pois não.
- Já foi atendido.
- Sim, por uma mocinha que me disse ia até buscar o preço do que quero.
- E o que o senhor deseja?
- O mesmo que pedi a ela.
- Entendo.

Diálogos são inúteis. Sempre achei isso. Diálogos tem em si a capacidade de destruir todas as palavras que podem ser ditas. De novo só, apoiado no balcão, aguardo insistente a demorada informação. A vendedora retorna:

- São cinco reais.
- Conto as notas.
- Por favor senhor, pague direto no caixa.

Obedeço a ordem de minhas pernas e sigo até o cocho. Pago, não tem troco. Sim, agora, com as pipocas já em mãos, basta retornar até a praça, sentar em meu banco, deixar a chuva passar e esperar o retorno dos pombos. Vou pisando em poças muito limpas. Minha vida deve ser mesmo assim, escada rolante.

1 Comments:

  • At 12:40 AM, Blogger [sic]. said…

    (Essa caixa de diálogo é lamentável, às vezes a gente quer dar outra olhada no texto e não pode...)
    Sua poesia deixa redondinha sua prosa, tirando uma inversão aqui ("seco ar de ausência" ao invés de "ar seco de ausência") umas forçadas de barra acolá ("baforamento" e "chamamento" - ficou ruim). Fugiu dos diálogos, héin? Mas eles não eram mesmo necessários. Mantenha o blog atualizado regularmente: ler você me faz lembrar de nossa amizade (ao menos da minha parte, né ô bacana) e me enche de orgulho por poder dizer que tenho camaradas escritores.
    Abraço, jovem, seja mais talentoso que eu - assim não vale, pô, isso é moleza pra ti...

     

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