Umas, novas, Idéias

Sunday, August 27, 2006

VIAÇÃO ADEUS


Choveu o dia todo. É mentira. Meu pensamento rodeou todo o quarto antes de perceber a hora. Tempo e espaço. Insisto. Faço força pra lembrar de algo pra rir. A saudade bateu. É o marasmo da memória se refazendo a todo instante. Lá fora brilha um sol estranho, morno. Consigo enxergar até onde posso. Nada além. A verdade é que durante toda a tarde que se passou em silêncio só tive tempo de pensar em você.
Caía uma chuva fina. Início de noite. Mentira. Fui buscar essa distância de uns tantos quilômetros que não sei ao certo e que me separam da brancura de teu colo. Teus ombros expostos ao sol. Imagino. Névoa parada, estendida. Cago pra todas as possibilidades que não sejam te encontrar o mais breve possível. Essas coisas não se entendem. Não são pra se entender. Não é possível racionalizar tudo. Não é. Ouço sucessivas canções que me trazem seu rosto junto ao meu. Cada uma a sua maneira. Na palavra, no ritmo, na melodia. Tudo na música tem vida própria. Você transita em mim. Música. Mexendo em coisas velhas, no meu armário antigo, encontro uns postais de Jerusalém. Mas eu nunca estive em Jerusalém. Nunca.
Umas poças se formaram. O cheiro de terra molhada implicava na certeza da chuva. Mas era mentira. Queria encontrar uma boa metáfora para o tempo. Dessas que não se fazem mais, ou que nunca fizeram. Não sei. O tempo se divide sempre em dois e não estamos por completo em nenhuma das partes. Além do mais, as metáforas tem seu próprio tempo. Outro dia tive de pensar nesta farsa em que resisto. Você é o mais real que tenho. A verdade. Talvez a única. Não sou bom em nada. Não tenho mais grandes sonhos. Não passo de um passo descaminhado. Mas você soa como sorriso. É e a penas é este verbo de ligação entre o mim e o mim. Na alvorada deve haver uma explicação pra tudo, mas sempre que acordo o dia já amanheceu. Há em mim tudo. E há você noutra ponta que eu não consigo tocar.
Nuvens negras. Céu fechado. Cor de chuva na janela. Mais mentiras. Todas juntas, em seqüência. Me falaram uma vez que assim se formam as verdades: a seqüência natural de algumas mentiras e a crença duvidosa se transmuta no real. Bobagens. Ligo essa ausência ao colchão e adormeço. Tenho pressa. Tenho sede. Tenho fome. Necessidades tão vãs quanto dormir. Quero noticias suas. Tua voz calada em letras sempre iguais, sem muitas reações possíveis. Sem nenhuma questão. Quero saber de você. Desta noite morna que se forma estanque. Que nasce perdida e sem novos vocábulos. Que se esquiva de mim neste pensar em você.
Desde muito as viagens me comovem. Há nelas todo um sentimento incerto. Um gosto cru de não saber o que encontrar. A língua tateia o céu da boca procurando teu nome. Fantasio. O sono não vem. A vida não vem. Eu não estou de ida até você. Pelo menos ainda. Antes da hora exata sei que ainda existirão muitos aindas e muitas horas desocupadas e sem motivo. Resistirei. Mostrarei quantos verbos conhecer para reduzir ao máximo minhas ações. Sei teu endereço de cor. O número do teu telefone. O grito e o susto. A companhia que não me deixa gritar. Acho já ser tarde. Tarde demais para fingir insônia. Cedo demais para fingir acordar satisfeito. Sento-me na cama e deixo de fingir. Me falta algo que não o ar, mas que desintegra aos poucos. Tudo é distância. E o que dói mais e não poder transpô-la. Não posso. Não posso.
Sei que no verão de algum outro ano devo ter amado alguém. Mas amor é fato e não memória. Uma sinfonia de pingos dá som no telhado. Chuva. Mentira? É um particípio, lógico, pensei comigo. Logo hoje que poderia ver a alvorada não há mais sol. Escureceu quarto a dentro e creio o mar ter escondido o resto da luz. Aqui perto, nalgum quarto de alguma casa em alguma rua bem próxima deve haver alguém fazendo juras de amor ao sono de outra pessoa que dorme calmamente calada ao seu lado sem saber de todos os planos que estão sendo feitos de um pra dois. A mim, não prometeram nada. O sono não vem. O medo de dormir é saber que logo passa a calma e se acorda. Não há fuso-horário. Não há fronteira distinta. Não há impedimentos burocráticos ou alfandegários. Só há a distância. Essa distância de uns tantos quilômetros que não sei ao certo, mas que não é muito. Não é muito.
Acorda. Ouve de onde estiver neste momento. Viu? A cidade, o canto, o breu. A chuva quedou-se e partiu. Deixou mentiras por todas as vozes e se foi. Nenhuma canção consegue ser você. Eu reajo. Não reajo. Bambeio. No outro lado do mundo, não sei que horas são. Mas você está perto. Aqui do lado. Creio que se sair andando na direção certa chego logo, sem pausas, sem qualquer preocupação. Tenho uma vida que tolero e uma que gosto.a que tolero me assola todos os dias, ininterruptamente. A que gosto só se eu partisse agora entenderia. Me refaço e considero. Gosto e tolerância são caminhos obrigatórios. Abro a janela. Fecho. Nada amanheceu como queria.
Um dia desses entrei no supermercado. Era noite, noitezinha. Comprei umas besteiras pra enganar o estomago. Paguei. Comi. A vida assim parece simples. A vida assim é um retrato autocolante que aplicamos onde queremos. Não quero esta vida. Não mais. Parto pra onde você estiver assim que puder. Com qualquer desculpa pro resto. Sem saber muito bem no que vai dar. Parto. E na ambigüidade do verbo me vou pra renascer. Quero tua mão na minha e o olho voando tentando entender porque não vim antes. Todas as mentiras são mentiras porque não há consenso sobre o que de fato aconteceu. Diz-se verdade pra tudo aquilo que nos parece real aos olhos e a razão. Quero um pouco de cada. Enganar-me sabendo disso. Cair em mim como em cadeira de balanço e balançar em falso. Ando refestelado desta angústia.
Outro dia pra pensar no instante. Na hora exata do fim e do começo.

1 Comments:

  • At 6:50 PM, Anonymous Anonymous said…

    mais uma otima cronica feita por esse grande genio...
    vlw Dr Otavio ....

     

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