Umas, novas, Idéias

Tuesday, June 13, 2006

A Polissemia do Cú e o Legado de Manoel Carlos


Segundo as regras deste concurso do qual ma habilito a participar, este texto deveria ser sobre o cu. Eu até pensei em escrever algo descritivo, delineando o espaço físico e psicológico sobre pregas e carnes escondidas, mas, esta manhã, tive de repensar muita coisa. Portanto nem sei se isto que escrevo será aceito sobre este tema, porém escrevo mesmo assim. Saí com meu pai pela manhã para encontrar com meu tio. Enquanto caminhávamos sob um sol de média força, ia imaginando como seria ver os dois juntos depois de tanto tempo. Cheguei a pensar que veria uma conversa animada como se duas crianças que brincaram no mesmo quintal há muito tempo atrás se reencontrassem e quisessem repetir o gesto. Vi um brilho de menino nos olhos cansados de meu pai e achei realmente que veria a mesma distraída surpresa no olhar de seu irmão. Chegamos mais cedo do que o combinado. Esperamos. Ele chegou. Engano. Os olhos de meu tio revelaram a pressa de quem tem algo que julga mais importante a fazer. Meu pai, aos poucos, foi despindo a alegria que lhe premiava a face e substituindo-a por uma resignação quase passional. Pouco mais de dez minutos depois nos despedimos e para disfarçar o silêncio fiz algum comentário sobre o tempo ou sobre o jogo da seleção brasileira. Retornamos para casa num mesmo passo, mas num tempo diferente. O tema é cu. O extremo agudo do corpo, por onde escapam sutilmente as liberdades inócuas do organismo. O cu não sorri, mas tem a vantagem de não chorar. De volta, não tive como pensar na situação de minha mãe com minha tia. Um pouco diferente do meu pai, elas simplesmente, por algum motivo que todos os outros membros da família – e acredito que elas mesmas – desconhecem, deixaram de se falar. Ignoram a existência uma da outra e fico pensando como seria tê-las juntas novamente. Com isso perdi o contato com meus primos, com os quais fui criado. Perdi um pouco de minha história, boa parte de uma vida em conjunto, com promessas de seguir juntos e que de repente se desfaz sem saber o porquê. Mas o tema é cu. E não sei por que não me vem nenhuma metáfora convincente, ou imagens que possam me fazer falar abertamente sobre ele. Aqui em casa, somos minha mãe, meu pai e eu. Minha família tem ao todo três pessoas das quais duas estão entrando na terceira e perigosa idade. Eu tenho 25 anos. Qualquer perda seria desarme: solidão. O tempo corre inquieto além da janela, enquanto meu pai dorme no sofá. Lá fora o varal estendido de roupas faz sombra para uma musica cantarolada por minha mãe. Eu aqui, diante desta tela indago-me sobre os espaços que destruímos, sobre a maldade inconsciente que reside nestas pequenas e, às vezes, impensadas rupturas. Na escola primaria aprendi que família se divide assim: fa-mí-lia. Mas aprendi nos enquantos que a divisão certa é so-li-dão. O tema é cu, mas peço licença aos malditos, e desculpa a todos os leitores se dessa vez o que restava por hora de excremento resolveu sair pela boca e não por lá.

4 Comments:

  • At 4:54 PM, Blogger O empírico said…

    Muito bom mesmo! Parabéns!

     
  • At 9:42 PM, Blogger Douglas Evangelista said…

    Tá perdoado.

     
  • At 9:43 PM, Blogger Samara said…

    Você ainda participa disso?

     
  • At 9:05 PM, Blogger [sic]. said…

    Eu sei.

    - Depois vem alguém dizer que votamos apenas nos amiguinhos. O foda é que os amiguinhos têm talento, enquanto os outros só sabem espumar e dizer coisas desconexas -

    Eu sei o que quer dizer.

     

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