Umas, novas, Idéias

Friday, April 14, 2006

Novas técnicas para o comércio de almas ( Literárias)


Ontem fui aturdido por uma idéia muito estranha, porém coerente: Porque não reorganizar o comércio de almas? Assim comecei a reelaborar meus próprios conceitos e planos sobre a morte e o pós-morte. Logicamente, só poderíamos iniciar uma nova perspectiva se questionassemos a via antiga para o calvário pessoal e coletivo que o tema exige. Afinal, quem julga? Quem decide a hora certa de ir ou voltar? Pensei comigo: ora, pra mudar um pouco as coisas, primeiro temos que mudar quem julga as coisas certas ou erradas, e como essa idéia de Deus e o Diabo é coisa séculos passados, temos que encontrar alguém que tenha um pouco dos dois e mais um pedaço de ninguém, pra que as coisas fiquem menos maniqueístas e manipuladoras... Como minha área de doença e sobrevivência é a Literatura, resolvi encaminhar o projeto nesse âmbito. O comércio de almas literárias de muito é nos apresentado como reformulação canônica ou mesmo retaliação a movimentos anteriores. Seguindo esses antigos padrões e acrescendo outros pequenos e modernosos valores, resolvi comigo mesmo que Deus ou o Diabo, podia ser Guimarães Rosa. Seus conselheiros ficariam sendo Drummond, Bandeira e Augusto dos Anjos. E a mulher onipresente da cúpula celestial seria Clarice Lispector. Seguindo o evangelho da linguagem e os dogmas da beleza estranha e assustadoramente literária, fui encaminhando nomes para a santa cúpula e recebendo suas respostas. No primeiro caso, encaminhei os tramites do processo de Ferreira Gullar. Os sábios santificados apreciaram as laudas de defesa e questionaram entre si qual seria a solução. Bandeira estava olhando pela janela e parecia procurar uma imagem nova que pudesse explicar e resolver o problema, mas foi de Clarice que a idéia surgiu: " Bem, porque não pegamos a alma do Mainard e damos mais um tempo pro Ferreira?" Drummond, como bom itabirano, acenou timidamente com a cabeça que aceitava. Bandeira, ainda na janela soltou um verso positivo e Guimarães, soberano na escolha, neologizou a sentença: "Morte ao Mainard!" ( Augusto dos Anjos, ainda não havia chegado). O segunda caso foi o de Ariano Suassuna. Antes mesmo que dessem qualquer opinião sobre a defesa, Guimarães sentenciou: "É só escolher quem vem em seu lugar!" Depois de uns minutinhos de silêncio, saiu de Drummond o nome: " Que tal se pegarmos alguém da família Gasparetto?" "Pode ser..." disse Clarice sem muito ânimo. E Bandeira arrematou: "Mata a velhinha e tá tudo certo." Guimarães anotava a resolução sobre Zíbia, quando Augusto dos Anjos adentrava as portas do santíssimo tribunal. "Desculpem o atraso...", "Mais uma multa por atraso em Augusto..." , "Ah, não implica com o Gugu não, Guigui..." Apelava lispectorianamente Clarice. Bandeira, que conversava pelo celular com Chico Science recebendo novas notícias do céu do Recife, pediu calma aos amigos. Drummond, sugeriu singelamente que Augusto resolvesse o último caso do dia. Todos concordaram, menos Augusto que nunca gostou de votar. O último caso de hoje diz respeito ao senhor José de Saramago. A defesa lida, foram todos os olhares até o dono dos Versos Íntimos. " Bem, na minha opinião endemica de projeto de cadaver sobre peles, sobrevôo como o morcego itinerente a obra do já esqualido português. Mata o Saramago mesmo. Não troca por ninguém." Tentei argumentar alguma coisa e o conselho falava entre si sem parar de modo que nada se entendia. Até que soltei o pedido: "Mas, e o Jô Soares e o Paulo Coelho?" Todos olharam pra Augusto que olhou pra Guimarães dizendo que já tinha feito sua parte. Guimarães levantou os olhos por entre a voz e disse: " O Paulo Coelho não faz literatura nenhuma e pra puxarmos agora o Jô teríamos de salvar duas almas o que não me parece ser o caso. Então, por inconpetência literária do primeiro e pelo gordurismo do segundo, decreto morte ao Saramago!" O conselho encerrou os trabalhos e o comércio de almas seguiu seu caminho para as outras áreas que compõe a sociedade inteira. Drummond, como bom funcionário público, ficou fazendo uma hora extra. Bandeira foi até um inferninho na nuvem onze onde tinha combinado uma conversa com Neruda e Clarice saiu de papo com Augusto sobre essas coisas de mágoa e de vida. Guimarães Rosa sertaniou sua sesta pós serviço e só comentou em voz baixa que o dia foi duro. Saí do Fórum celeste martelando a justiça diabolicamente divina em minha cabeça. Satisfeito com os resultados do dia e já na angústia dos próximos julgamentos pude me lembrar ainda da frase de Lobão que acentuava o fim de tarde: "O Diabo é Deus de folga."
E o Coelho que se livrou por ruindade na escrita pode começar a pensar em seu novo místico romance: Diário de um saraMago.

9 Comments:

  • At 10:31 AM, Blogger Gabriel M. Faria said…

    Como texto é bom. Como homenagem é ótimo pelas referências.

    E a piada com o diário do José Português é fraca, fraca...

     
  • At 10:46 AM, Blogger Vanessa Anacleto said…

    O texto é ótimo por debater o que é e o que não é literatura e como este conceito pode ser relativizado. José Saramago apesar de julgado por seus pares no texto é , na lingua portuguesa o maior cânone vivo. Se existe algum autor que escreva em português que pode cometer a falta de senso de autoproclamar-se literato, é o português ganhador do Nobel. E cá entre nós , não gosto , para mim não desce e não adianta. O mesmo , ou quase o mesmo, guardadas as devidas proporções, podemos dizer do Paul Rabbit; vende mais que cd de camelô e daí virou literatura para a ABL. Mas que comentário mais longo. Falta do que fazer em feriado. abraço

     
  • At 12:11 AM, Anonymous Anonymous said…

    Assumo minha ignorância. Sem competência pra entender esse texto...

     
  • At 8:48 AM, Anonymous Anonymous said…

    Vamos lá, o texto é interessantíssimo, bem escolhidos Deus, Diabo e o Nada. Bem escolhidos os conselheiros (tudo bem, o Augusto é mais ou menos, mas os outros não discuto).

    Porra, Gabo, se não tivesse trocadilho não era texto de blog. Não venha discutir piada fraca senão vou organizar um índice remissivo no seu blog.

     
  • At 11:31 AM, Blogger Gabriel M. Faria said…

    Minha existência já é uma piada fraca.

     
  • At 1:39 PM, Blogger Otavio Meloni said…

    vamos todos ter pena do Gabo...

     
  • At 12:13 PM, Blogger ideiasaderiva said…

    Gostei do texto. Lógico que senti falta de alguns jogadores neste time celeste (o joão cabral tá jogando em outro time?)...

    Acho que o Augusto dos Anjos não faz feio no time... não é o goleador mas não compromete.

    Também acho que o Serámago (horrível) já tá fazendo hora extra no mundo...

    E acho que está frase do Lobão não é do Lobão... (rs)

     
  • At 1:04 PM, Blogger ideiasaderiva said…

    Ops, onde está "está" no comentário acima leia-se "esta". Grato.

     
  • At 7:28 AM, Anonymous Anonymous said…

    Esse texto é foda, bem que a gente podia encurtar a vida de um bando de escritores de coco(deixa o acento pra lá), e dar mais um tempinho de vida prum monte: Eu emprestarei um pouco mais de vida para o Manoel de Barros e o RUbem FOnseca, q jah estão bem velhinhos

     

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