Umas, novas, Idéias

Thursday, September 07, 2006

PÁGINA ÍMPAR, AVESSO DO LUCRO


AOS AMIGOS LIVREIROS QUE ESTENDEM E ENTENDEM ESSA IDÉIA

Desde a feira de livros da Cinelândia que conversamos sobre uma espécie de função social do livreiro. Eu e Arthur, amigo e livreiro da Elizart livros, falamos por um bom tempo sobre esse papel de tentar passar o livro usado pelo preço mais baixo possível e facilitar o seu acesso para pessoas que estudam, mas não têm todas as condições para comprá-lo. O assunto surgiu de uma indignação nossa com alguns clientes que, mesmo demonstrando condições financeiras razoáveis, insistem em querer levar o livro de graça. Como diria meu amigo Brownie: "Oportunista é o meu ovo." Mas voltando ao assunto central, percebemos que a questão social que a relação livreiro-cliente produz é muito interessante. O livreiro além de comerciante se transforma num grande garimpador de raridades e de preços em conta, saltando aos olhos em meio a um mercado tão caro e burocrático como é o do livro no Brasil. O livro usado, sai notoriamente pela metade do preço de um livro zerado. Com os descontos e as pechinchas, o valor tende a cair e com a quantia que se adquire um livro numa megastore é possível comprar vários volumes num sebo ou nas feiras do livro. Nossa conversa se estendeu a casos que já vivenciamos em nossa experiência livresca. Arthur falou sobre um rapaz que não tinha grana para comprar um obra de referência em vários volumes e que era fundamental para sua mongrafia e que acabou passando dias consultando-a na livraria com o seu consentimento. É esse tipo de atitude que transforma uma relação comercial e algo que sobrepõe-se ao dinheiro e assume um aspecto humano, coisa que já seria gratificante pelo gesto e se torna mais relevante em se tratando de livros e cultura, campo tão abandonado e relegado neste País. Outras foram as história que surgiram para confirmar nossa opinião. De fato, é perceptivel quando encontramos uma pessoa que realmente precisa de um determinado livro e não tem o dinheiro suficiente para comprá-lo. Como dizemos na feira, a primeira intenção é quebrar o preço, mas em certas ocasiões isso não é suficiente e daí surge uma incomoda e sensível questão sobre o que fazer. Já assumi algumas diferenças por perceber se tratar de algo superior ao lucro ou mesmo as leis básicas de mercado. Trata-se de alguém que mesmo com todas as dificuldades possíveis ainda inventa tempo e dinheiro para estudar, ou então de um pai ou mãe que quer que seu filho tenha uma sorte diferente e faz de tudo para fornecer-lhe as condições necessárias de um bom estudo. Ora, sensibilidade para perceber essas situações não é difícil, e o livreiro, que se faz humano e considera algo além do vil metal, sente aquse que uma obrigação em ajudar. Meu amigo Arthur, mestre Vando (Bigode), Sebastião Medeiros, Jorge Gurgel, e tantos outros livreiros que conheço e respeito me ensinaram que trabalhar com livros é trabalhar com pessoas e futuros e que não se trata de um comércio como outro qualquer. Estudei em escolas públicas, me formei numa universidade pública, faço mestrado numa instituição pública e sei como é difícil manter um curso seja em que área for. Vi algumas pessoas abandonarem os estudos por causa de grana pra passagem e alimentação, quanto mais pros livros (eu mesmo já quase tive de trancar um período por causa disso) e ainda ouço gente que pede desconto num livro de saldo de cinco reis e paga com notas de cinquenta reais. Isso, além de aborrecer, entristece. O livreiro, e me ponho aqui como o tal, tem uma importante função social sim. A mesma função de qualquer pessoa que se sente parte de algo maior e possível de se estender ao outro. A função ímpar que sempre acrescenta e solidariza. Para além do livro, só mesmo o livro.

2 Comments:

  • At 10:22 PM, Anonymous Anonymous said…

    Wolffianas, Otavio, muito bom!

     
  • At 4:04 PM, Blogger fabiano m. said…

    vejo que meus poemas pco do caráter dominante incitaram a fúria revolucionária no seu coração de livreiro! bom texto. forte abraço, reverendo.

     

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