Umas, novas, Idéias

Saturday, December 16, 2006

De que lado????

A escrita me liberta para o desconhecido.
É a minha maneira de desorientar.
Ilya Radeanu


Acabo de ler o mais recente romance do escritor romeno Ilya Radeanu, intitulado A menina do lado. Traduzido da versão inglesa The otherside girl, o livro trata de questões bem peculiares ao nosso cotidiano vistos pelo olhar de uma menina paralítica que sonha em construir uma bomba. A história, que parece banal numa primeira apresentação, se intensifica quando essa menina começaa se relacionar com um jovem e ideológico palestino de nome Yossef. A relação dos dois transcende p plano narrativo e integra os olhares que se constituem diferentes, porém reunificadores. Impressionada com a experiência de Yossef na arte de construir bombas e planejar ataques, a menina se entrega de maneira incompreensível numa jornada de emoção e descobrimento. O que há de realmente interessante na história de Radeanu é a necessidade contemporanânea de se quebrar paradigmas em tudo que se escreve e/ou pensa. O livro do romeno desvia desse caminho quando propõe ao leitor um caminho telúrico a ser traçado não pelo olhar narrativo desconexo, mas por um olhar limitado de funções que enxerga seu próprio mundo de modo contrastante. Vale ainda registrar a belíssima cena da morte de Yossef em um atentado suicida contra uma mesquita sunita, descrita pela menina que assiste a explosão pela TV. Depois disso, seguem dois interessantíssimos capítulos que desconstroem todo o universo belicoso e sentimental criado até então e remonta a história da menina através da imagem dissimulada que esta apanha para si da morte de Yossef. Sem mais o sonho de construir bombas, ela se dedica a leitura religiosa em frente aomonumento construído nas ruínas da mesquita, solitária voz em meio ao silêncio apagado da história. A frase final de Radeanu me parece ser perfeita para o desfecho : "A manhã cedia espaço ao memorial da rua, no asfalto gritava a poeira incerta, resto de nuvem, estátuas do amanhã." Leitura recomendada a todos que consideram a literatura algo além de si mesma.

6 Comments:

  • At 6:28 PM, Anonymous Anonymous said…

    Creio que as suas considerações são muito pertinentes. O romance de Radeanu envolve nessa atmosfera criativa/destrutiva. Sua escrita carrega sempre o paradoxo da palavra. Não sei se você já leu, mas há outro romance dele chamado A bailarina que também é muito interessante nesse aspecto. Boa resenha.

     
  • At 11:59 AM, Anonymous Anonymous said…

    adorei o comentário sobre a leitura que vc fez... o título é interessante - a menina do lado... o sonho da construção de uma bomba, o que será que ela desejava destruir? Penso que talvez a realidade da forma como ela sentia... e Yossef a morte marcante e reconstrutora... no sentindo de dar a luz a uma poetiza religiosa... a última frase do texto... muito boa mesmo... bom comentário... pelo fato da sua resenha aqui no blog sobre o livro... novos olhares literários se criam sobre a obra deste ilustre escritor...

    boa semana...

     
  • At 6:00 PM, Blogger fabiano m. said…

    interessante quando você fala da necessidade contemporânea de quebrar paradigmas, de romper com tudo. na verdade, tenho pensado que o momento agora é de romper com as rupturas. não há mais o que desconstruir e a rebeldia na arte já foi institucionalizada, incorporada ao mainstream. talvez a saída esteja em olhar para trás, com a lucidez que a pós-modernidade nos ensinou, e escolher, dentro da enorme gama de possibilidades, o que resgatar e o que deixar quieto, a gosto do freguês. o melhor da época em que vivemos, em termos de arte, é que a não-necessidade de ruptura permite que você escreva, se quiser, um livro de sonetos ou um livro de poesia concreta. as possibilidades estão abertas, os canais de comunicação são múltiplos e intercambiáveis, e os potenciais de referência, incalculáveis. como diria o outro: "faça o que tu queres pois é tudo da lei." forte abraço e TMJ!

     
  • At 3:25 AM, Blogger ideiasaderiva said…

    é bem legal este olhar para um outro. digo isto pensando que o formato de Joyce, Machado, Steinbeck etc, ainda que sedutores, jamais atingiriam as potencialidades - atingiram outras, claro - que estamos descobrindo agora com estes "novos" escritores, estes escritores do "mundo bomba". é interessante pensar que agora nossa leque oferece um Salman Rushdie, um Pamuk etc. de repente, pulam novas possibilidades de fazer a literatura - que não tem nada a ver com o rompimento do rompimento do rompimento. outra criação, outro encaixe.
    concordo com o fabiano, estamos livres. tá na hora de construir algo.

     
  • At 4:19 AM, Blogger fabiano m. said…

    acho que é essa idéia da exaustão das vanguardas, inclusive, que leva um gullar a parar de experimentar com a linguagem e partir pra uma poesia mais lírica (mesmo que mais pobre, mas isso talvez se deva a um desgaste do poeta, e não da forma). seria algo como "agora eu posso".

     
  • At 7:46 AM, Anonymous Anonymous said…

    estão todos precisando ler Statements, de Herbert Quain...

    Quanto a radeanu, é pena que os ecos latinos a leste do mundo se tenham resumido ao George Hagi. é interessante notar ainda, na escrita de Radeanu as tensões entre a sintaxe tipicamente latina do idioma e imaginário eslavo que a cerca geograficamente...

     

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