Umas, novas, Idéias

Tuesday, October 11, 2005

Memória X Saudade


“Reféns do que virá” , sim Lobão está certo. De alguma forma sempre estaremos atrelados a incerteza do que pode acontecer. E, o mesmo autor, ainda completa dizendo que “a beleza de tudo é a certeza de nada e que o talvez torna a vida um pouco mais atraente.” Sim, o tempo ainda é o maior abismo do homem e é dele que surgem as grandes questões impostas pelo pensamento pós-moderno como a aflição, a melancolia e a tristeza do não estar, por exemplo. E isso nos remete a tão imprescindível questão da memória enquanto criação e recriação de um espaço onde o indivíduo seja capaz de conviver consigo próprio. Mas memória não é sinônimo de saudade. As duas idéias nem se completam nem se esbarram na curva do raciocínio. É este pensamento aberto que insurge e deixa no ar uma questão fundamental: Por que ponto a memória, enquanto representação do passado, não pode ser dita também como saudade?
A memória como instrumento de reconstrução deixa de se fazer apenas na ação de lembrar e passa a conjugar outros verbos como criar, compreender, produzir e, principalmente, significar. O que aqui dizemos é que a memória abandona a idéia de um conceito simplista para representar-se na reflexão e na alteração de conceitos ditados pela própria análise temporal. Assim, retomar o imaginário de um tempo passado, seja próximo ou distante, não é de forma alguma um ato de abandono situacional e também não implica na criação de um cenário saudosista. A modernidade sonhou com o futuro, mas teve de buscar na memória, coletiva ou nas individuais, as “soluções” que acreditou poder criar em si mesma. Daí a duvidosa e conflitante relação deste processo com relação à saudade. Segundo Zeca Baleiro : “A saudade é Briggit Bardot acenando com a mão num filme muito antigo.” A saudade é cinematográfica e assim representa apenas as coisas que por algum motivo ou por alguma inexplicável sensação precisamos lembrar. E, como já dissemos, lembrar apenas não basta. Essa ação é meramente emotiva, não aproveitando o passado como material produtivo, reduzindo experiências, imagens, tradições e vivências a recortes temporais isolados incapazes de construir, até mesmo, um pequeno campo semântico, ainda que intuitivo.
Se pensarmos no tempo como retrato vivo de repetição encontramos novamente nosso dilema anterior. O homem, que se viu perdido entre conceitos aparentemente fáceis, pode levantar todas as manhãs, se olhar no espelho e não se ver e verdade. Modernistas, modernos e modernosos, com todos os acréscimos do pós, do neo e do hiper, não conseguem mais cultuar o porvir sem esbarrar no que já foi. Se pensarmos mais agudamente, isso nunca foi possível. Volto novamente ao poeta Lobão para registrar a repetição da idéia: “tudo de novo, tudo de novo, mais uma vez.” O velho lobo talvez esteja mesmo certo. Ainda por muitas vezes faremos toda força do mundo para mudar as coisas com o único intuito de que elas continuem como estão.
Briggit Bardot acena distante na estação enquanto o trem parte em busca de outras formas de adeus. Saudade é tudo que se desfaz entre palavras e lágrimas. A mão acena, mas ainda acenará muitas vezes, por motivos diferentes, em momentos distintos. Existe adeus de vontade, existe adeus quer que fica. A saudade transita. Memória é tudo que refaz o exílio do tempo. O lugar delineia ausências, a memória compõe suportavelmente a vida. É o entre lugar sobreposto no não-lugar. Memória é permanência. Precisamos esquecer de tudo para que o passado continue vivo em e para nós.

3 Comments:

  • At 10:11 PM, Blogger Um quase tudo": said…

    Achei interessante o post... Conversava sobre isso com a Andréa noutro dia ... eu sinto saudades de tudoooo , não posso ver uma criança ou adolescente no estágio que já sinto saudade daquele tempo... ela(andréa)lembra de tudo, mas não sente falta de nada... Será era mais feliz?eu a chamei de insensível... "saudade é ser depois de ter", adoro esta frase...
    bjssss

     
  • At 6:46 PM, Blogger fabiano m. said…

    é, meu caro, billy corgan já dizia "eu sinto falta de mim / eu sinto falta de tudo / que eu jamais serei"... ...excelente texto. continue assim, jovem.

     
  • At 9:20 PM, Blogger [sic]. said…

    UM ELOGIO DO REVERENDO MORAIS! GLÓRIA, SENHOR, ALELUIA IRMÃOS!!!
    sinto falta do paõzinho da manhã que mastigo na maior modorra, pensando no ontem e resolvendo com me livro dele...como diria ingrid bergman, bom mesmo é ter boa saúde e péssima memória...o amorzinho do passado é o calo do presente e a amargura do futuro...
    cara, cadê minha pinga???

     

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