Umas, novas, Idéias

Wednesday, November 16, 2005

Rui, a vida em minutos

A toalha molhada sobre a cama demonstrava seu desleixo para com as regras de organização doméstica. Rui contava os minutos para abandonar de vez aquela vida mesquinha e cheia de preocupações que levara até então. A notícia do prêmio o deixara muito entusiasmado, porém optou por omiti-la da esposa e do filho. Há muito os dois entes promoviam grandes brigas com ele por essa sua mania de apostar. Então está feito - pensou ele - passo no banco, pego a grana e me mando pra qualquer lugar longe de tudo. Para não despertar muitas suspeitas seguiu os rituais costumeiros da manhã. Chegou até a vestir o uniforme da firma em que trabalhava e ainda exclamou bem alto: Já ia esquecendo o crachá! Stress... Saiu, beijou a esposa longamente na testa (sinal de respeito e agradecimento pelos anos perdidos) e ainda pensou consigo que depois lhe mandaria notícias suas e uns tostões de indenização conjugal. O filho já estava na escola, mas esse teria para si tudo o que ganhara e mais o que pudesse fazer render em cima do prêmio, portanto não se preocupara. Porta a fora, o ônibus lotado de sempre, tudo normal para não levantar nenhuma suspeita. O banco já aberto, aproximou-se da mesa do gerente, comunicou quem era e mostrou o comprovante da aposta. Parabéns! Disse o bancário. Rui sorrio, requisitou um saque razoável e deixou o resto do dinheiro aplicado numa conta do próprio banco. Saiu calmo da agência, sem levantar nenhuma suspeita. Táxi até o aeroporto. Passagem para o Rio de Janeiro. Meia hora depois táxi para Copacabana. Dez minutos depois cinco putas, whisky da melhor qualidade, apartamento de frente pro mar num hotel de luxo. Gozou assim a primeira farsa da felicidade. Manhã seguinte, milhares de chamadas da esposa no celular, mulheres nuas por toda a parte do cômodo. Beijou uma delas, a que mais lhe afeiçoou. Abriu as cortinas espessas e vislumbrou pela primeira vez em sua vida o sol debruçado sobre a praia, ainda tímido da noite. as mulheres foram acordando e todas muito preocupadas em se ajeitar já que o trato ia até o fim da noite seguinte. Rui dispensou todas elas. Podia. Com a exceção da menina que beijara. Disse se chamar Morena. Rui sorrio. Isso não é nome, fala pra mim. Meu nome é Letícia. Rui abafou o peito. Era paixão por puta, dinheiro aos montes... aquela loteria salvara sua vida miserável. Sem tirar os olhos da paisagem repetia em voz alta o nome de Letícia. A mulher o abraçou por trás, afagou-lhe os cabelos. Vista-se Letícia, vamos sair. Fechou a conta do hotel, foram até uma locadora de veículos. O carro esportivo, caro, era apenas mais uma simples brincadeira perto do valor total que recebera da sorte. Dentro do carro, Letícia ao seu lado, interrogou a moça: onde será que esta estrada vai dar? Letícia silenciou num não saber responder. Vamos descobrir. Horas de estrada. Mar, belas paisagens. A conversa ia acontecendo com acostamento de idéias. Tinham coisas em comum. Ela do Rio mesmo, ele de São Paulo, mas gostavam de coisas parecidas. A vida profissional de Letícia lhe permitira acumular um leque de experiências inigualável. Rui ouvia com atenção, ela gostava de falar. A conversa fluía. Numa pista alta, serra de algum lugar, Rui parou na encosta, desceu do carro e olhou até onde viu. Letícia acompanhou o jogo. Minutos de calada apreensão e Rui soltou questão: Para você o que é o fim do mundo? Letícia respondeu rápido: de que mundo? Rui sorriu complacente: do nosso mundo? Letícia distraiu, olhou o perfil imóvel de Rui, o olhar ressacado de incertas agonias e promessas, e entendeu. Vamos! Não íamos ver aonde a estrada termina? Perguntou Letícia. Voltaram para o carro. Rui acomodou-se no banco. Letícia o beijou de relance. A alegria que sentira ao ser contemplado na loteria era nada perto dos lábios secos de Letícia roçando-lhe a boca. Quanto custa a sua vida? Ela espantou a pergunta. Diga, quanto custa? Como assim. Você trabalha por dinheiro como todos os outros, como eu trabalhava. Então, quanto custa? Letícia entendeu o caminho da conversa: Custa o pouco ou o muito que for preciso para você me levar pra bem longe daqui. Rui pisou fundo no acelerador. Aos poucos já nem se ouvia o barulho do mar.

7 Comments:

  • At 7:25 AM, Blogger Tatiana said…

    muiro bom teu texto. eu to virando tua fã!

     
  • At 8:07 AM, Anonymous Anonymous said…

    Ahhh não... a Tati tirou as palavras da minha boca!(Ê clichê) hehehe...
    Também tô virando sua fã!

     
  • At 11:08 AM, Anonymous Anonymous said…

    Que deus injusto é você, amigo? O dinheiro não acaba, o cara não é ludibriado, a amante não o trai? Mas isso não se parece nada com a vida real!!!
    Protestos à parte, você foi a melhor aquisição da nossa comuna nos últimos tempos.

    Abraço.

     
  • At 12:31 PM, Anonymous Anonymous said…

    O cara pelo menos trocou a mulher por uma puta tendo grana no banco, piores são os que fazem isso ainda durangos. De qualquer forma, o futuro é o mesmo: bancarrota.

     
  • At 2:34 PM, Blogger Rafael Romero said…

    Ótimo.

     
  • At 10:03 AM, Blogger Vanessa Anacleto said…

    Concordo com o Marcos, tá fadado ao fracasso esse infeliz. Mas o texto, muito bom :-).

    abraço

     
  • At 12:33 PM, Anonymous Anonymous said…

    Gostei. Ah, não reprovo tanto a atitude dele.

     

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