Umas, novas, Idéias

Sunday, May 27, 2007

PANOS BRANCOS - Parte III


Após fechar a conta no hotel tratei de seguir caminho até a estação. A cabeça ainda doía-me um pouco enquanto tentava adivinhar o que ouvia um jovem em seu walkman. As pessoas respiram canções por que são apenas elas que se movem por intuição de tudo. Sento-me no banco a espera do transporte. Falta um pouco, gosto sempre de chegar antes. Vinte, talvez trinta minutos. Estas são as minhas vírgulas pessoais. Pausas que retiro de meu tempo para esquecer das ações quem vem. Meu trabalho me proporciona estas incertezas. Rodo caminhos estranhos de qualquer um, escolho rumos ao léu de acordo com o que me pedem ou solicitam. Minha história de vida caberia numa única frase. O que pode encher páginas sem fim são as coisas que fiz para o resto. Este serviço não me pediu prática, experiência ou formação acadêmica avançada. Não precisei de padrinhos, subornos nem mesmo tive que cometer pequenos delitos. Comecei no trabalho sem saber que já tinha batido o ponto. Às vezes algumas situações nos mudam o rumo. Penso que assim deve ser a morte. Insuperável enquanto imprevisível. A morte me vem sempre quando começo a repassar esses assuntos de vida. A morte deve ser a vida. O avesso de mim é trapaça do tempo. Tenho a impressão de estar a viver nas margens do fim, porém o mais próximo que já cheguei disso foi num gozo. A sensação fechada do gozo é uma pequena morte. Sempre que percebe não dar mais, me suicido.

O jovem veio e se sentou junto ao meu lado no banco. O som alto, mesmo retido nos minúsculos fones, explode uns versos assim : “ There are places i’ll remember / All my life though some have changed”... Beatles é a trilha sonora de qualquer coma. Esvazio-me na espera do trem. Tenho que partir agora, eu sei. Este lugar de onde estou perco aos poucos. Minha vida parte e chega sempre que acordo. Cumpro destinos alheios para desviar-me de mim. Imagino. Essas ações de verbo me encolhem o sujeito. A sintaxe da vida restringe pessoas. Não há complementos quando a ação não pede auxílio. Meu serviço é de um só e às vezes custa dividi-lo comigo mesmo. O trem encosta. Minha poltrona tem um número expressivo: 17. Não me recordo de nada que me possa remeter ao dito numeral. Talvez por isso tenha deixado escapar a primeira hora do traslado criando hipóteses possíveis e sem assombro.

Monday, May 21, 2007

Um poema



MONTAGEM


Era essa parte tua

A completa ausência

Que transformava meus dias

Em abraços escritos.

Falta sentida

Do teu cheiro que desconhecia,

Das rosas esquálidas

Que colecionas,

Enfileiradas,

No cós da calça.

Eu quero a companhia

Dos teus medos,

Somados a minha

Imprópria indústria

De amores em série.

Saturday, May 05, 2007

RAPIDINHAS... 05/05/07


Hoje descia a rua de minha casa para ir dar aula de literatura no pré-vestibular quando passo por um grupo de crianças, média de idade entre oito e dez anos, que discutiam sobre 'pique cola'. O fato em si pode ser insignificante para a maioria das pessoas, mas a seriedade com que eles debatiam sobre o assunto era de comover. Os menores observavam atentamente as dicas dos maiores como se estivessem numa verdadeira aula pra vida inteira. Continuei descendo a rua, ainda mastigando a cena e seus pequenos arremedos de perfeição, quando me deparo com uma bela mulher na calçada. Loira, um pouco mais baixa que eu, tatuagem saliente entre a blusa e a calça. Eu estava a uma distância de mais ou menos uns dez metros e minha cabeça recém despertada do sono logo maquinou um "bom dia" repleto de quintas intenções. Quando já havia pensado numa frase babaca, porém construtiva para os objetivos traçados, uma moto estaciona na rua, na frente da mulher que logo sobre na garupa. Pus minha viola no saco e voltei a pensar no pique-cola dos meninos. Para minha surpresa, ao me aproximar do meio fio, esperando pra atravessar a rua, a loira já na garupa da moto me encara por alguns segundos e sorri. Perdido. Um a zero logo cedo. Cheguei ao Pré. Dessa vez não precisei enganar todas aquelas turmas falando de coisas que, certamente, importam e interessam só a mim. Dispensado do exaustivo dia de trabalho, parti para o shopping com o intuito de comprar um presente para uma criança de um ano. Durante toda a semana vinha pensando o que comprar pra uma criança de um ano. Pensei em algo como uma espada, ou um bola já que a maior alegria de uma criança é machucar outra criança (prática que desconfio persistir até o fim dos dias de muita gente). Mas a tia da criança, que me convidou pro aniversário, não gostou da minha idéia e como todo bom entendedor de criançinhas, tive que recorrer a moça da seção de brinquedos pedindo orientação. Estranhamente ela foi simpática e me ajudou na escolha, prontamente reprovada por minha mãe quando cheguei em casa. Ela alegou que era um presente pra crianças menores e sinceramente não entendi essa coisa de crianças com menos de um ano terem tanta diferença pra um criança de um ano. Enfim, o que importa disso tudo é que vou à festa. O brinquedo é interessante e creio que a menininha vai gostar algures. Vantagem: ela não vai poder reclamar. Outro fato pra chamar a atenção no dia de hoje, foi estar entrando no shopping exatamente uma semana depois, quase no mesmo horário. Confesso que ao perceber isso, me assustei um pouco, mas depois abstraí. Shoppings pela manhã são interessantes. Há consumidores com cara de sono, funcionários insatisfeitos e corredores vazios que só. Como fruto de mais um golpe frontal do cartão, veio, além do brinquedo, este teclado no qual escrevo. De volta pra casa, desço um ponto antes e vou sondar o preço da mensalidade de uma academia de ginástica para começar a perder todos os quilos que achei nesses últimos dois meses. A simpática (leiam com a devida entonação) atendente Michelle me convenceu, sem precisar falar muito, que aquela era a academia ideal pra minha recuperação corporal. Garanti a ela que inicio na semana que vem e a mim mesmo também. Como um recem velho, gordo e sedentário, estava convicto a esperar o primeiro enfarto pra mudar de vida e de hábitos, mas pensei melhor e resolvi prolongar minha permanência nessa canto de terra em que vivo e de onde pouco saí. Como saldo final, lhes digo que a loira da garupa deve ser minha vizinha, fato animador para futuras investidas; a simpática menininha vai gostar do presente e eu certamente vou me divertir na festinha; os shoppings não servem pra muita coisa, mas acabam sempre servindo pra algo que ainda não sei o que é; na semana que vem revejo Michelle, eu provavelmente numa roupa ridicula tentando enganar a mim mesmo que vou emagrecer de verdade, ela com aquele sorriso que vai me fazer acreditar nisso por alguns meses. Quanto ao pique-cola... bem, sobre isso ainda tenho que pensar mais um pouco...

Tuesday, May 01, 2007

26 e daí?


Novamente nos reunimos para festejar e beber aos poucos nossa amizade. Os aniversários servem um pouco pra isso: reunir pessoas queridas e abstrair a existência dos outros e do mundo. Tudo começou no sábado à noite quando o japonês calhorda Ivan, mesmo tendo sido assaltado na noite anterior, compareceu para uma humilde cantoria no Videokê. Além dele se encontravam outras pessoas, como Bel, minhas pródigas discípulas Nathany e Dayana, além da jovem Keila, de Claudia (amiga docente) e seu respectivo partner. O começo dos festejos teve momentos de ouro, como a pior interpretação que já ouvi para Como nossos pais ; o pagode envolvente do Negritude Jr. e a emocionada e efêmera tradução de Ivan para Todo sujo de Batom (nem o Belchior cogitou cantar essa música de cócoras, como fez nosso imundo oriental). Levemos em consideração que até chegarmos nesse ponto já tínhamos uma longa ficha de cubas, conhaques e cervejas.

* * *


No domingo invadimos a Querência Gaúcha para comer até morrer e fazer valer a pena os R$25,90 que pagamos pelo rodízio. Único remanescente da comemoração anterior, Ivan pode, assim como os outros, provar carnes exóticas, como carneiro, javali, cutia, saúvas e o tenro mico leão dourado. Com as sentidas ausências do senhor Marlon Magno e sua digníssima esposa, seguimos comendo até as quatro da tarde, quando Fabiano aproveitou a deixa de Luanna e David e resolveu ir pra casa dar uma dormidinha com a Isa (essa é pelo Max). Seguimos corajosos, Maximo Lustosa, Ivan Kitano e eu, esperando o inicio da peleja entre Flamengo e Botafogo. O até então comportado Max extravasou seu ímpeto torcedor e a acabou conquistando todos do estabelecimento, ao ponto de termos sido seguidos até pegarmos o ônibus do outro lado da estrada. Entre as pérolas do nosso afro-torcedor, encontram-se:

“E aí juiz!!!!” – Primeira exclamação que deixou o bar em alerta.

“Meu chopp vem antes do fim do segundo tempo!” – estávamos com 15 minutos da primeira etapa quando ele perguntou isso pro garçom.

“Eu não sabia que podia entrar botafoguense aqui!” – sobre a comemoração dos gols do Botafogo.

“Eu acho injusto ter que dividir a renda do jogo com o Botafogo, já que o Flamengo põe sessenta mil torcedores e o botafogo leva só oito pessoas pro campo.”

Essas são as que me lembro. O importante é que ao fim da noite já era possível perceber que este foi um aniversário difícil de esquecer. Não só pelas cenas, pelas pessoas que estiveram comigo,pelas que não puderam ir, mas tenho certeza que gostariam de estar lá, pelas brincadeiras, pelas bebidas,pela comilança de domingo... não. Este foi inesquecível porque nem percebi que se passava um ano, que se somava outro. No fim das contas, fiz o que podemos fazer toda semana ou uma vez ao mês que seja. Depois de tudo, deitei e dormi sem o peso de me questionar sobre nada. Cada vez tenho mais certeza de que a felicidade é uma invenção oportuna. Pra mim basta saber que foi bom.