Tínhamos uma enorme vontade de nos matar. Desde que conheci Eulália o sol passou a nascer mais bonito em minha janela. Sol de inverno, dizia em meus sonhos. A casa, propositalmente construída a beira de um riacho, era branca, de janelas e portas azuis com uma enorme varanda que a cercava por todos os lados. Gostava de receber seu corpo ali, na rede, vendo o tempo passar vadio como cão sem dono. Amor não é invenção, é covardia da alma.
Manhã. Cedo levanto para preparar o café. O telefone toca. Eulália se foi. Não ela não morreu, sem eufemismos baratos ou clichês. Ela se foi para outro país com um cara que conheceu mês passado em seu trabalho. Tinha uma enorme vontade de me matar. O fogão aceso, chama alta. Vesti uma roupa qualquer e parti pro nada. Campos abertos, verde, mato, morte em cada avenida. Penhasco: Beirada do mundo e da gente. O vão entre as montanhas equilibram nossa existência. De um lado o real, do outro nós mesmos. O vazio que há no entre é o que queremos. Um vento forte. Nuvens, sol, neblina. Olhei o fundo da terra. O fundo.
Da beira vislumbrei teu rosto Eulália. Queríamos morrer juntos, mesmo veneno, amor e ópio. Agora seguiria sozinho na intenção. A queda seria fatal. Meu corpo em pedaços apodrecendo no esquecimento do penhasco... Não! Morrer de amor é o caralho. Eulália em seu vestido florido deve estar ofegante sob o corpo de seu novo namorado. Tremendo juras de amor como as que me fez e depois vai procurar outra pessoa que lhe dê o que ela realmente quer. Cuspi no abismo e regressei para casa. Meu sofrimento foi sumindo. Clichê de uns minutos e uma vida.
Fiz um café fresco, liguei a tv para ver os desenhos animados. Plantão. Caiu um avião que seguia para Estocolmo. Pensei em Eulália... pensei em nós dois e no penhasco. Driblei nossa promessa. Ela morre, eu sinto. A tv volta aos desenhos. Quase não percebo. Tinha a vida em minhas mãos. A caminho do banheiro aprisionava esse gosto para não perdê-lo ao me masturbar.
O sol de inverno iluminava outra vez o amor verdadeiro, o primeiro e único, como nos romances de José de Alencar ou nos dizeres do Corão. A vida é um clichê sem igual. Mãos que unem os sentidos.