Umas, novas, Idéias

Tuesday, June 20, 2006

Cana / Chana / Copa / Cabana / Cloaca.

Tentando não cair nas tolas metáforas de ‘princesinha do mar’ ou ainda em falar que Copacabana só tem puta, mendigo, velhinho, menor abandonado e travesti, iniciei ontem minha nova saga de livreiro profissional – já que agora sou professor free-lance. Afastado do mar e colocado numa pequena, porém aconchegante praça - repleta de idosos, mendigos, putas, menores abandonados e travestis - cheguei até a princesinha do mar com os livros que pretendo vender por completo no próximo mês. Copacabana me pareceu mais do que uma aglomeração de idosos, mendigos, putas, menores abandonados e travestis, não que eles não estejam por lá. Mas quem se importa com a capacidade de Copacabana em reunir idosos, mendigos, putas, menores abandonados e travestis quando o que se quer de verdade é vender livros? A praça é um bucólico asilo disfarçado e cercado com grades tão altas que a impressão primeira é de que se isolou um bando de velhinhos para estudar a capacidade de reprodução assexuada de seres humanos de idade avançada enquanto jogam biriba as custas do dinheiro do contribuinte. A rua de trás – sem trocadilhos, ao menos por enquanto – tem uma grande concentração de inferninhos, casas de tolerância, termas, clinicas de massagem tailandesa e uns dois ou três puteiros. Os bancos externos do recinto são mais ou menos, numa comparação inconveniente, porém perspicaz, o New York City Center dos menores que cheiram cola abertamente as onze da manhã e não estão nem aí se você está vendo ou não. A eles se juntam os mendigos que brigam pelo melhor encosto para dormir ou guardar suas coisas. Criamos ao longo de tantos anos uma classe social que independe da sociedade em que vive. Ela se divide em setores que não entendemos, mas que se respeitam e são capazes de cooperar uns com os outros, coisa que esquecemos como se faz. Enquanto dois playboys passavam na Siqueira Campos com uma pick-up maior do que minha casa tocando uma música alta e inconveniente, sorrindo uma alegria suja e preconceituosa, eu esperava uma afortunada van que me trouxesse de volta ao meu recinto gonçalense e a paz desta civilização antiga onde ainda se dá bom dia mesmo a um estranho. Vim pensando na insensatez selvagem do sorriso burguês daqueles jovens que devem mesmo achar que a pobreza é não poder comprar uma latinha de Red Bull para misturar com o Scott escocês doze anos. Por um minuto invejei a situação deles: grana, carro, sem trabalhar, sem estudar, mulheres, noitadas. Sim, eu senti inveja, por que a inveja é um sentimento que vem do ódio e de uma angústia tão contundente que às vezes se perde a razão. Daí percebi que também invejava aqueles menores que cheiravam cola a luz do dia sem restrições próprias; tive inveja das putas que por ali transitavam se preparando pra mais uma noite de trabalho pesado, porém livre; tive inveja dos velhinhos que tinham como única preocupação a cura de um câncer ou perder a biriba do dia. Eu vendo livros, mas vender livros não é só pegar o dinheiro, pôr na sacola, dar o troco e voltar feliz pra casa. Eu carrego livros, eu ando quatro horas de ônibus por dia, eu fecho e abro uma barraca todos os dias. Mas , pensar em mim não leva a nada mesmo, por isso vamos me deixar pra lá e voltar ao que realmente interessa. Em Copacabana não existem apenas idosos, mendigos, putas, menores abandonados e travestis, além deles existe a hipocrisia, a entrega, o sossego, a batalha, a vergonha na cara, o despudor, o desejo, o esforço, o desperdício, a humilhação, o orgulho e, por que não, a beleza de uma paisagem que cobra cachê e serve pra sustentar Jovens atrasos e suas belas caminhonetes turbinadas. Eu apenas vendo livros.

Tuesday, June 13, 2006

A Polissemia do Cú e o Legado de Manoel Carlos


Segundo as regras deste concurso do qual ma habilito a participar, este texto deveria ser sobre o cu. Eu até pensei em escrever algo descritivo, delineando o espaço físico e psicológico sobre pregas e carnes escondidas, mas, esta manhã, tive de repensar muita coisa. Portanto nem sei se isto que escrevo será aceito sobre este tema, porém escrevo mesmo assim. Saí com meu pai pela manhã para encontrar com meu tio. Enquanto caminhávamos sob um sol de média força, ia imaginando como seria ver os dois juntos depois de tanto tempo. Cheguei a pensar que veria uma conversa animada como se duas crianças que brincaram no mesmo quintal há muito tempo atrás se reencontrassem e quisessem repetir o gesto. Vi um brilho de menino nos olhos cansados de meu pai e achei realmente que veria a mesma distraída surpresa no olhar de seu irmão. Chegamos mais cedo do que o combinado. Esperamos. Ele chegou. Engano. Os olhos de meu tio revelaram a pressa de quem tem algo que julga mais importante a fazer. Meu pai, aos poucos, foi despindo a alegria que lhe premiava a face e substituindo-a por uma resignação quase passional. Pouco mais de dez minutos depois nos despedimos e para disfarçar o silêncio fiz algum comentário sobre o tempo ou sobre o jogo da seleção brasileira. Retornamos para casa num mesmo passo, mas num tempo diferente. O tema é cu. O extremo agudo do corpo, por onde escapam sutilmente as liberdades inócuas do organismo. O cu não sorri, mas tem a vantagem de não chorar. De volta, não tive como pensar na situação de minha mãe com minha tia. Um pouco diferente do meu pai, elas simplesmente, por algum motivo que todos os outros membros da família – e acredito que elas mesmas – desconhecem, deixaram de se falar. Ignoram a existência uma da outra e fico pensando como seria tê-las juntas novamente. Com isso perdi o contato com meus primos, com os quais fui criado. Perdi um pouco de minha história, boa parte de uma vida em conjunto, com promessas de seguir juntos e que de repente se desfaz sem saber o porquê. Mas o tema é cu. E não sei por que não me vem nenhuma metáfora convincente, ou imagens que possam me fazer falar abertamente sobre ele. Aqui em casa, somos minha mãe, meu pai e eu. Minha família tem ao todo três pessoas das quais duas estão entrando na terceira e perigosa idade. Eu tenho 25 anos. Qualquer perda seria desarme: solidão. O tempo corre inquieto além da janela, enquanto meu pai dorme no sofá. Lá fora o varal estendido de roupas faz sombra para uma musica cantarolada por minha mãe. Eu aqui, diante desta tela indago-me sobre os espaços que destruímos, sobre a maldade inconsciente que reside nestas pequenas e, às vezes, impensadas rupturas. Na escola primaria aprendi que família se divide assim: fa-mí-lia. Mas aprendi nos enquantos que a divisão certa é so-li-dão. O tema é cu, mas peço licença aos malditos, e desculpa a todos os leitores se dessa vez o que restava por hora de excremento resolveu sair pela boca e não por lá.

Saturday, June 10, 2006

INTACTAS


Pensando na melhor forma de falar sobre o que penso agora, lembrei-me de um texto recente de um amigo, o senhor reverendo Fabiano Morais e suas 'memorabílias'. Foram muitas as lembranças que me reportaram a este texto. Talvez o emaranhado de sentimentos e vícios do passado que vão se compondo até culminar, sobriamente, num desconsolo que talvez só o copo - cheio é claro - seja capaz de curar. Hoje, dia dez de junho, fiquei pensando, no silêncio de meu quarto, em minhas expectativas de vida e minhas realidades correntes, neste mesmo período, três ou quatro anos atrás. De fato percebo que não eram muito diferentes as coisas que queria e buscava, nem mesmo meus gestos e meus hábitos mais corriqueiros, porém faltam coisas hoje das quais não me dava conta nos anos anteriores. São essas lembranças, mescladas por experiências e decpções, que recriam a dor e as sucessivas ausências que me esbarram agora, nas manhãs em que acordo cedo demais ou mesmo na hora em que o sono parece inevitável, mas o grito do necessário me mostra que não dá pra parar. Há quatro anos eu namorava uma menina com a qual cheguei a ficar noivo; tinha acabado de receber um prêmio literário que, além da alegria, me trouxe uma razoável quantia em dinheiro com a qual me sustentei por um bom tempo. O noivado acabou, o dinheiro também. Um novo ano chegou e ainda acreditando que poderiam surgir novidades interessantes, continuei a insistir nessa idéia de que o mundo ainda tem solução. Me apaixonei mais algumas vezes, tive uns momentos em que me considerei feliz, conheci pessoas com as quais estaria até hoje não fossem as intempéries do espaço e do sentir. Hoje, quatro anos mais velho, sustentando algumas alegrias, que teriam mais graça não fosse o peso de outros fados, me reencontro abaixo de uma linha tênue do que considero alcançável. Tenho poucos, porém bons amigos; uns livros que me distraem quando não há mais no que pensar e o que realça é a falsa impressão de que sobreviver é o bastante quando, na verdade, sobreviver não é nem necessário. Cansei de criticar coisas repetidas e de reclamar de minha sorte mal fadada. Não acredito mais em grandes soluções e nem mesmo sou capaz de estender o meu sorriso para um outro lábio no qual eu possa fugir de mim. Vinte e cinco anos, metade de uma estimativa, mais um em qualquer estatística ou mesmo num anúncio. Não me encontro. As perguntas sempre e vem e perturbam. Lágrimas sempre ousam, mas não caem e nem cessam de ousar. Recaio nas mesmas falhas inventivas, nas mesmas saudades do que poderia ter sido, o 'quase' que ronda minha cabeça... Ontem caminhava pela rua no caminho de casa. Era sexta-feira a noite e a única coisa naqual conseguia pensar era dormir. Isolei-me num mundo em que não é permitido ir além, pelo menos por enquanto. De minha parte não há o que fazer. Constatação. A saída deve ser esta porta em branco, que aciono sempre que me parece impossível continuar. Aguardo notícias.

Saturday, June 03, 2006

Se Leonardo da Vinci, Por que que eu não posso dar dois?


Lênin acordou durante a noite incomodado com algo que arranhava sua boca. Se levantou, foi até o banheiro e olhou fixamente para o espelho. Reparou então que havia um pequeno pentelho entre seus dentes inferiores. Muito preto e crespo, não deixou nenhuma dúvida: era mesmo de Trotsky. Após usar seu fio dental do Hello Kitty, o jovem ditador sanguinário pegou o telefone vermelho do Kremlin e deu a ordem. Fez-se a revolução.
Picasso e Frida Kallo provavelmente nunca se encontraram, mas Dali esteve umas muitas vezes na casa do francês e os dois trocaram algumas figurinhas. O surrealismo formou-se nas bases da loucura criativa e na liberdade de idéias e expressão. Picasso, eternizado nas piadas infames e nos trocadilhos embaraçosos, produziu uma obra tão grande que é bem capaz de ainda hoje encontrarmos telas inéditas do mulherengo narigudo. Já Dali presenteou-nos com os mais belos devaneios plásticos da arte contemporânea. Seu bigode espetado e cuidadosamente moldado sempre vem na lembrança quando imaginamos o cara que pintou aquelas loucuras. O cubista encubou a razão em figuras formas geométricas. O surrealista cagou pras formas. Os dois foram grandes e nem por isso acordaram no meio da noite com um pentelho de Trotsky entre os dentes inferiores.
Marx e Engels de fato tiveram uma relação muito baseada na amizade e na convergência de pensamento. No intervalo entre uma meinha e outra, formularam as terias sociais e econômicas mais pertinentes de nossos tempos. Fizeram assim uma revolução na construção do pensamento de toda uma época. Marx tinha uma barba enorme e bem cheia que devia incomodar um pouco o cangote de Engels. O fato é que o cafetão de Marx assinava suas obras com ele e assim fornecia para o mundo uma nova versão de duplas consagradas mundialmente como Cristo e Judas, Tarcisio e Gloria, Senna e Proust, Roberto e Erasmo, John e Paul e Chitãozinho e Chororó, por exemplo. Engels deve ter acordado várias vezes com um pentelho preso entre os dentes, mas certamente, nenhum de Trotsky.
Trotsky fugiu para o norte, diziam os jornais. Todos buscam a liberdade e com ele não seria diferente. Trotsky traiu a revolução, falavam os alcoviteiros nas tecelagens russas. O único que resolveu pensar antes de agir foi caçado de forma assombrosa até ser morto num quarto de hotel. Poderíamos jogar uma pombinha branca pela janela a pregar as ignorantes idéias de paz e liberdade, mas as coisas não são assim. A pomba resolveu cagar na cabeça do condenado. Somos livres apenas na crença de sê-lo. Seguimos normas e regras já tão fixadas em nossa sociedade, que acreditamos fazer o que queremos, quando na verdade agimos de acordo com o estabelecido. Lênin nunca deve ter encontrado um pentelho de Trotsky nos dentes inferiores, mas a escrita me permite dizer que sim. Livre nestas linhas vou seguindo minhas estórias. Aliás, já contei aquela do dia em que o Papa encontrou com Lampião no vaticano???