Umas, novas, Idéias

Monday, January 30, 2006

Joana

Nunca se julgou capaz de cometer um único pecado, até o dia em que a conheceu. Joana não era dessas mulheres de parar o trânsito, nem mesmo tinha um corpo escultural. O que lhe cabia como vestia de sedução ninguém conseguia explicar. Tinha lá seus vinte anos, uma pele clara de esfriar o mundo, olhos grandes, negros e arredondados, cabelos longos também escuros. Uma menina grande diziam uns, uma mulher delicada falavam outros. Joana calava qualquer cantada manjada e se colocava acima das fantasias de muitos que a cobiçavam sem entender porque. Osmar sabia de seus deveres e de seus direitos. Para ele a vida era um atraso constante onde queria estar sempre pontual. Seguia as regras sociais com louvor. Ia todos os domingos a missa e, as vezes, na hora de seu almoço, deixava a repartição e visitava a capela que havia no quarteirão. Temente a Deus e fiel a sua família, osmar via em joana uma beleza quase secreta que lhe encantava, porém não o seduzia. Acreditava sinceramente que Joana era uma obra divina, mais uma delas, onde podíamos contemplar a perfeição do criador e sua capacidade de acerto. O tempo trouxe consigo os primeiros boatos: Joana, que era noiva, iria se casar em três meses. Falou-se em gravidez antes da hora; falou-se em pressa pra não perder a conquista; falou-se em doença terminal até... Osmar, sempre alheio aos fuxicos, continuava sua rotina minunciosa sem querer se inteirar nos fatos. Para ele importava apenas deixar seu trabalho em dia, se pudesse ajudar os outros e sair sempre na hora, com um sorriso de vitorioso por ter cumprido mais uma jornada. Mas esse dia se desenhava diferente mesmo. O chefe, doente, não compareceu ao trabalho. A semana seguinte traria consigo uma vistoria daquelas, estavam apertando o secretário por causa das contas, tudo tinha que estar em ordem. O Alvarenga, espécie de vice-chefe, decretou plantão em turnos de dois durante toda a semana. "Hoje fica você, Osmar, junto com a Joana." Dava pra ver a insatisfação de muitos que queriam ter essa honra. Osmar nem ligou pra companhia, queria era contribuir para a ordenação dos trabalhos. O dia foi sumindo dentro da noite e os últimos funcionários deixaram a repartição. Osmar olhou pra Joana quase numa pergunta:
- Por onde começamos?
- Não sei... tem uma alguma sugestão?
- Talvez os arquivos.
- É pode ser...
E os dois partiram ferozmente aos arquivos dos meses anteriores. Reviraram, refizeram contas puseram tudo em ordem, nada além disso. Joana tirou os sapatos subiu um pouco a saia pra chegar no último gavetão. Osmar desviou o olhar, não queria causar nenhum constrangimento a Joana. tudo foi assim até o fim do trabalho. Aplicados em terminar tudo o quanto antes os dois saíram antes do imaginado. Despediram-se no ponto do ônibus. Osmar seguiu pra casa e Joana alegou ter que passar no mercado antes. Em frente ao portão, Osmar só conseguia pensar em como conseguiu resistir a situação de estar tão perto e sozinho com Joana, num lugar deserto, onde poderia contecer de tudo. "Eu consegui!" pensava quase num alívio ter suportado tamanha tentação. Entrave em casa desligado nessa comemoração de pequena vitória espiritual e por pouco não percebeu o barulho vindo do quarto. Aproximou-se cauteloso da porta entreaberta e pode ver, nitidamente. O Alvarenga, que o havia escalado para o plantão deitado sobre sua mulher, os dois nus, suados, semi-sonando. Osmar pensou em tudo. Viu sua mulher vestida de noiva no dia da cerimonia, casta, linda. Lembrou dos filhos. Da família sempre elogiando a relação dos dois. Tudo desabara. Pensou muito numa atitude. Matar os dois? Se matar? Fazer um grande escandalo? Não. Osmar recolheu um possível prantoe saiu de fininho, da mesma forma que entrou, chamou um taxi. O motorista virava a bandeira dois:
- Pra onde chefia?
- Pro inferninho mais próximo que você conhecer.
- Deixa comigo patrão. Vou levar o senhor pro paraíso.
E o carro cortou as ruas da cidade em direção à um puteiro qualquer, onde Osmar imaginava que todas as putas tivessem a cara levada de Joana.

Thursday, January 26, 2006

Temas do tema


bom, o tema é desmascarar.
vem de máscara, fingimento.
o cara que é bonzinho,
mas no final é desmascarado.
(muito original)
desmascarar: máscara.
a máscara que esconde a cara do farsante.
a máscara que enfeita a parede da sala.
a máscara que protege o dono deste blog.
a máscara que caí no final da história.
deixemos disso, otavio.
o tema é desmascarar, não fujamos dele.
então pode ser assim:
um cara de nome desconhecido
engana durante anos toda uma cidade
até que um inspetor beixinho e gordo
descobre que ele não passa de um pulha.
pronto, proposta e tema realizados.
otavio, burlador de temas, dorme tranquilo.
a máscara partiu-se ao meio:
uma parte virou poema
a outra o poeta pisou.

Thursday, January 19, 2006

IRREGULAR DES-ESPERA

Marisa lutava contra o vidro, mãos sôfregas, socando, tentando de maneira vã transcender o espaço. Sôfrega, remordia os lábios já vermelhos. Olhos encharcados, cálidos. A mãos combalidas já apenas acariciavam a janela entendendo sua impotência ante o mundo. Escorriam as horas. Era mesmo o fim.

Há dois dias quando passeava por uma rua feia, sem saída e de calçamento irregular, tropecei sobre uma moça parada na calçada. Me desculpei. Ela sorriu. Continuei o caminho de meu passeio. Fim da rua. Voltei pela outra calçada. Revi a moça. Ela acenou. Atravessei. Convidei-a para um café. Mas está muito quente para um café, ela disse. Sorri. Convidei-a para o que ela quisesse. Fomos. Tudo era simples como o calçamento da rua: irregular.

Sabia que era algo especial. Sorria calado com o número gravado em minha mão. O calor virou tempestade. Chuva. Água. Sem número. O desespero. Onde encontra-la novamente? Perdi. Sabia decerto. Sentei na rua. Chorei na chuva. Uma senhora passou, parou ante a mim. Oferendou-me um trocado. Se foi. O dinheiro dissolveu na poça e parti.

Em casa, já seco. Telefone toca. Voz que me lembra viver. É ela. Tinha meu telefone. Eu o dei. Sorri. Contei-lhe o ocorrido. Rimos juntos. Tínhamos em comum o amor pela arte, pela pintura. Ela me falava sobre Hooper e suas telas. Solidão, dizia ela, muita solidão. Hooper saber me fazer sentir isso. Conhecia alguma coisa do pintor, concordei. A conversa entrou na noite. A noite esqueceu de nós.

Perder o dia foi fácil. Sabia que reencontraria seu rosto ao fim da tarde. O tempo condena todos aqueles que querem recria-lo. Ri sozinho várias vezes. Funcionários questionavam se havia acontecido algo. Alegria. Minimizava. A vida tem as duas coisas. Às vezes em uma só.

Ela vinha com um vestido verde claro, solto no corpo. O vento lançava os panos contra sua pele, deflagrando estilhaços de minha libido. Ela era linda. Ao menos aos meus olhos. Caminhava peculiarmente. A rua a refletia cinza e mais bela. Tinha me guardado para alguém. Alguém que não conhecia. Alguém que estava agora me dizendo oi.

Estávamos indo pra minha casa. Ela sabia o que eu queria. Eu sabia que ela sabia que eu sabia, mas mantínhamos tudo num clima de adivinhação. Atravessamos a rua. Sua sandália virou, torceu pelo salto. Segurei-a pelo braço. Chegamos ao outro lado. Perguntei se estava bem. Bem, disse que sim. Sentiu falta da bolsa. Olhei para a rua. No meio, parada. Fui busca-la. Fui.


“ Atenção unidade mais próxima... atenção. Jovem gravemente ferido em atropelamento frontal. Repito: gravemente ferido. Risco de morte, de vida, de morte. Atendimento urgente.”

Droga!

Como ele está? Está bem? Quero vê-lo! Agora! Ag....

A porta da ambulância havia se fechado e pelo vidro era possível ver o rosto ensangüentado. Marisa furou o cerco policial. Tinha a angústia e a pressa dos deuses. Por que? Desesperava a todos com seu silêncio resignado. Era tudo uma dor. A cena. A rua. O medo. Encostou o rosto na janela e pode vê-lo. E pode acreditar. E chorou copiosamente. Chorou.

Wednesday, January 11, 2006

LEGÍTIMA DEFESA





Otavio decidiu morrer.
Trancou-se no quarto;
Tomou um coquetel de remédios;
E pôs-se a escrever.

A medida do tempo incerto
O corpo foi desfalecendo,
A mão largou o lápis,
O lápis largou a mão.

Nos olhos acendia uma voz,
Mas o fim era já tão perto...
Que pelo crime próprio, sorria,
E quase não termina esse verso.

(encontraram seu corpo, sozinho,
Às dezenove horas em ponto.
Tinha os olhos fechados,
A boca seca e pálida
Numa dor que não mais lhe doía.)

Passional não,
Pessoal.

Wednesday, January 04, 2006

A Metafísica do Hamburguer de Forno


Desde o início do segundo semestre do ano passado, passei a consumir, em minhas tardes na UFF, uma nova iguaria gastronômica do âmbito das promoções tão próprias ao universitário durão: O hambúrguer de forno. A receita é simples. Uma massa, digo, bastante massa, que envolve uma carne de hambúrguer semi-crua e se você der sorte um pedacinho de queijo. Bom, aí temos que fazer uma pausa para maiores explicações. No Campus da citada universidade existem dois grandes pólos produtores do Hambúrguer de forno. Um deles é o trailer da tia, onde se come um hambúrguer em que, além dos ingredientes básicos, podemos encontrar queijo chedar. O tamanho não é dos melhores, o que torna o sanduíche insatisfatório se você pretende realmente se alimentar. O outro bistrô que produz tal iguaria é o trailer do Alex. O sempre simpático gourmet nos apresenta uma receita em formatos básicos, com o acréscimo estratégico de lascas de presunto e queijo e umas folhinhas de alguma coisa verde (salsinha, cebolinha, cheiro verde, ou qualquer treco desses). Fora isso, podemos ressaltar que o seu sanduíche apresenta melhores resultados quanto ao tamanho e ao preço. No Bistrô do Alex, com o adendo do refresco de guaraná natural, o hambúrguer de forno sai por R$ 1,60 enquanto no trailer da tia, sem o dito refresco, o sanduba sai por R$ 1,50. Ou seja, a relação custo benefício e o bom senso tendem para a escolha do trailer do Alex. Pois bem, escolhido nosso objeto de estudo, partamos então para uma análise mais estrutural do formato e da degustação. Com o copo de guaraná natural providencial para ajudar a descer e para completar a sensação de estomago pavimentado, restam ainda os condimentos extras que servirão, para mais tarde, desfazer o Palace II formado em sua barriga. Temos aqui o já tradicional catchup, a misteriosa mostarda, la maionese e o molhinho de alho (recomendado apenas para dias onde não haja previsão de quedas mortais). A arte de misturar os condimentos, aliada a mais pura forma de degustar o portentoso sanduíche, caminham juntas quando pensamos porque comemos essas tralhas na rua. Com os toques pessoais certos e as goladas calculadas para que no fim ainda reste ao menos um pouco de guaraná natural, o hambúrguer desce de forma agradável e dependendo do dia até dá pra comer mais de um. O quiosque do Alex ainda nos contempla com outras raras iguarias, como a bolinha de queijo e presunto e o magnífico quibe com catupiry, mas a presença sustentável e condizente ao bolso vazio do universitário durão, só está inerente ao hambúrguer de forno. É nele que podemos confiar para ‘enganar’ o estomago durante horas com o mínimo de gastos. Ganhar dessa proporção, vulgo bate-entope, só mesmo o bandejão da UFF, mas isso é outra (e mais dolorosa) história.