À SAMARA
Na poeira Sebastiana do fado antigo,
Por terra caiu Camões: entristecido.
Após duro golpe de pena e arma.
Eis que uma voz,
Vinda de uma mesa no fundo do café
Rompe o silêncio das pessoas
Que já procuravam trocados
Para dar de esmolas ao caolho:
- “Levanta-te Camões!
De joelhos está Portugal e não você.
Ergue a tua pena
E refaz o teu poema.
Fique de pé e leve por toda parte
Esse teu canto glorioso de engenho e arte.”
O homem de lábios ressequidos
Seca a lágrima solitária do seu rosto
Dentre rugas e disfarces de pobreza
E mesmo do chão olha para a mesa
Reconhecendo aquela voz pelo chapéu:
- “ Mas Pessoa,
Eu que já perdi tantos amores,
Fui expulso de minha pátria,
Mesmo que por ela, em batalha,
Tenha perdido um olho?!!!
E os meus versos?
Estes mesmos que salvei a nado
Agora naufragam
Entre cidades e serras
E se encontram recortados
Nas antologias escolares do Passado.”
Quem tencionava oferendar uns trocados
Virou de costas, para mais aliviado,
Continuar seu café em mesa e balcão.
E podia se ouvir num coro quase de silêncio:
- “Ah! É só Camões, o poeta da nação.”
Camões, cabeça baixa, mãos já secas,
Singrava o chão sem nenhum trocado,
Direto pra porta de saída
Querendo nunca ali ter entrado.
Pessoa, triste companhia,
Lamentava o poeta que se perdia,
E escrevia à Sá Carneiro outra elegia:
Uma carta-poema falando do caso.
No balcão, Caeiro e Campos conversavam.
(sobre rebanhos ou sobre opiários?)
Reis escrevia outro poema a Lídia.
Todos os Pessoas tomavam um café...
Camões se arrastando pelas ruas da cidade
Viu uma mulher em cima de um banco
A olhar pro horizonte fixamente:
- “O que esperas senhora, o que esperas?”
Sem tirar os olhos do firmamento
A mulher respondeu de momento:
-“ Dom Sebastião, meu filho. Um dia Ele volta!”