Umas, novas, Idéias

Saturday, March 18, 2006

Duas Palavras





Tens uma cruz pousada em seu colo,
A zelar por qualquer sentimento alterado...

É mais:
São seus ombros recebendo a folga dos cabelos
E o negro indo de encontro ao alvo
e tudo muda nas indicações de seu queixo
no nexo da mente resistindo o entender...

(A medida exata entre teus ombros,
A distância certa do olhar,
O meio sorriso dos lábios criadouros,
Nada disso conheço,
Mas posso desdizer meu medo
E estampar de novo teu nome junto ao meu.)

Tens uma cruz exposta no peito:
Meus braços abertos,
pregados em ti.

Monday, March 13, 2006

Três Tempos


A gente acaba por se encontrar nessa vida. Seja numa tristeza qualquer, num sorriso outro que não se conhece bem ou ainda numa própria desilusão. Mas a gente acaba se encontrando. Faço besteiras todos os dias e todos os dias penso comigo: Por que faço tantas besteiras? Tenho medos demais. Receios demais. Faço as coisas de menos. Nunca sei se é a hora certa de falar ou se é o momento de sair quieto, sem importar a impressão. E é isso, essa capacidade de desperceber as coisas que me vem agora, justamente agora que julgo me encontrar. São tantas horas diárias desperdiçadas em ônibus quase sempre vazios, em viagens sem intenção nenhuma, nas mesmas ruas, os mesmos rostos, o mesmo não estar contido em nada. Pensei em fugir pra bem perto de você. Pensei em repetir em voz alta todos os versos que julgo serem seus e expô-los numa sequência intolerante e severa. Mas só pensei. A janela do ônibus tremia junto à paisagem escorrida em verde e não mais pude entender qual era a dor. A gente acaba se encontrando. Num ponto de ônibus, numa espera de esperas já faladas, num olhar desconhecido e árduo, na mesma face ante o espelho, na mesma voz soletrando em tom de ópera o que os dedos tortos rebatem nas teclas e na tela e nas teclas... Resta ainda algum tempo. Antes de encontrar e de perder, o tempo passeia raso. E sobram vazios e nascem vazios e a volta é sempre a mesma, contornando a boca distante e o metro de cada rascunho. Mas a gente acaba por se encontrar nessa vida, um frente ao outro, num instante, e não se conhecer por detalhe, por desastre de segundos, por um suor diferente. Às vezes penso em escrever, noutras ocasiões escrevo. Decidir se a palavra é letra ou voz não é importante, o que me falta é conseguir dizer da forma que quero, tudo que quero. O que é idéia deixar de ser idéia e ser total, acontecer, mesmo que de fato não aconteça. Deixar de lado a frieza covarde da solidão e ser só na tentativa, no fazer - ainda que errado e pretencioso - mas no ato tentado e trêmulo como as mãos suando frio e os olhos sem direção. A gente acaba se encontrando nessa vida. Seja aqui, numa linha que possa te lembrar algo, seja noutro instante em que não saiba quem eu sou. Tudo é vírgula e dissimula a ordem decassílaba de minha questão.

Thursday, March 09, 2006

Voz de Mim




Olhe pra você agora!

Na cama como estátua
Exposta aos meus olhos em vitrine.

- Eu quero ser mulher de teu gosto.
- Eu quero te gostar assim mulher.

Não quero mais queimar sutiãs.
Não quero mais que os queime.

Somos dois nessa cama deserta
Não, sou só eu nessa loucura de mundo.

Mas é seu dia!
Meu dia é sempre o ontem.

Números e datas...
Você não vem?

Saturday, March 04, 2006

FADO ANTIGO



À SAMARA


Na poeira Sebastiana do fado antigo,
Por terra caiu Camões: entristecido.
Após duro golpe de pena e arma.

Eis que uma voz,
Vinda de uma mesa no fundo do café
Rompe o silêncio das pessoas
Que já procuravam trocados
Para dar de esmolas ao caolho:

- “Levanta-te Camões!
De joelhos está Portugal e não você.
Ergue a tua pena
E refaz o teu poema.
Fique de pé e leve por toda parte
Esse teu canto glorioso de engenho e arte.”

O homem de lábios ressequidos
Seca a lágrima solitária do seu rosto
Dentre rugas e disfarces de pobreza
E mesmo do chão olha para a mesa
Reconhecendo aquela voz pelo chapéu:


- “ Mas Pessoa,
Eu que já perdi tantos amores,
Fui expulso de minha pátria,
Mesmo que por ela, em batalha,
Tenha perdido um olho?!!!
E os meus versos?
Estes mesmos que salvei a nado
Agora naufragam
Entre cidades e serras
E se encontram recortados
Nas antologias escolares do Passado.”

Quem tencionava oferendar uns trocados
Virou de costas, para mais aliviado,
Continuar seu café em mesa e balcão.
E podia se ouvir num coro quase de silêncio:
- “Ah! É só Camões, o poeta da nação.”


Camões, cabeça baixa, mãos já secas,
Singrava o chão sem nenhum trocado,
Direto pra porta de saída
Querendo nunca ali ter entrado.

Pessoa, triste companhia,
Lamentava o poeta que se perdia,
E escrevia à Sá Carneiro outra elegia:
Uma carta-poema falando do caso.

No balcão, Caeiro e Campos conversavam.
(sobre rebanhos ou sobre opiários?)
Reis escrevia outro poema a Lídia.
Todos os Pessoas tomavam um café...

Camões se arrastando pelas ruas da cidade
Viu uma mulher em cima de um banco
A olhar pro horizonte fixamente:
- “O que esperas senhora, o que esperas?”

Sem tirar os olhos do firmamento
A mulher respondeu de momento:

-“ Dom Sebastião, meu filho. Um dia Ele volta!”