Umas, novas, Idéias

Saturday, September 23, 2006

KYOTO NÃO É SÓ TÓKYO COM AS SÍLABAS INVERTIDAS


Estou lendo Yukio Mishima, mais precisamente O templo do Pavilhão Dourado. Comecei a leitura depois de ter terminado o livro Portokyoto de Pedro Paixão, no qual o autor português faz vastas referências a Mishima e a esta obra, já que parte de seu romance se passa na expectativa de conhecer tal templo. Mishima tem uma coisa na escrita que realmente desloca o foco do resto. Parece uma leitura pesada, mas que não cansa. descritiva sem ser exaustiva. E algo vai além da história do menino gago e auto-penitente que se esmera na beleza do templo e dos outros para sustentar-se numa personalidade crua e sem nenhuma referência sentimental. Ainda não terminei o livro, mas é perceptível o minuncioso trabalho de Mishima em inserir seus leitores na história e na própria mente de seus personagens. Em Portokyoto encontrei Michiko, no Templo encontro Uiko e as duas parecem me dizer a mesma coisa numa foto feita de palavras e memória que se arrasta por entre as veias e pelos caminhos narrativos dos personagens. Algo está paralisado em mim. Algo que talvez não mais se mova ou que eu tenha acabado de descobrir. Mishima congelou um olhar no meu rosto que, como o lago Kioko, refletem o templo dourado. Tudo está parado e em eterno movimento. "A seta que só atinge o alvo porque já estava em movimento antes mesmo de partir."

Tuesday, September 19, 2006

Conjugando no singular


Fraturei os dedos, as mãos e outro parte que desconheço e que me dói como se fosse o fim do filme, de um filme triste numa sala triste e escura de cinema de shopping. Se a alma se quebra, quebrou-se. Acho mesmo que isso a que chamamos amor, é só a esperança desfeita, disfarçada de qualquer coisa em que possamos acreditar. Algo que se parte e que juntamos de novo, mas nunca se consegue colar de maneira igual, as peças faltam, e essa de agora deixou grande espaço entre os outros espaços e já não posso reunir-me outra vez sem que me lembre de ti. Ainda que distante, tão perto e tão ausente como a voz do silêncio que procuro no teto do quarto, que desvio do olhar a tua foto-memória num canto qualquer de minha mente. Ausente.

Thursday, September 14, 2006

De volta


Não sei bem se é a espera ou a esperança, mas, de uma certa forma, muitas coisas parecem fazer sentido quando se passa a acreditar noutra pessoa. Percebi bem isso hoje. A inesperada e triste cena de Pedro Paixão sobre o finitude de Michiko e os trechos de poemas de Géraldy fizeram uma lasciva antesala até que eu me surpreendesse admirando um quadro de Van Gogh. Um mundo mosaíco que, impressionista ou barroco, pós-moderno ou maneirista reconstitui minha memória com o tom de seu rosto. Perco tempo a olhar a rua, as calçadas repletas de sol e pessoas, e a vida atropela com suas necessidades impostas - dinheiro, trabalho, paciência. Dezessete andares separaram Michiko, momentaneamente, do chão. Anos de obscuridade e a morte separaram Van Gogh da fama e do reconhecimento. Geraldy me diz num poema: " Despedimo-nos mal mais uma vez... Por quê?" E eu forço a cabeça a lembrar qual foi exatamente seu último gesto desde que te perdi de meu olhar, na última vez que te vi.

Thursday, September 07, 2006

PÁGINA ÍMPAR, AVESSO DO LUCRO


AOS AMIGOS LIVREIROS QUE ESTENDEM E ENTENDEM ESSA IDÉIA

Desde a feira de livros da Cinelândia que conversamos sobre uma espécie de função social do livreiro. Eu e Arthur, amigo e livreiro da Elizart livros, falamos por um bom tempo sobre esse papel de tentar passar o livro usado pelo preço mais baixo possível e facilitar o seu acesso para pessoas que estudam, mas não têm todas as condições para comprá-lo. O assunto surgiu de uma indignação nossa com alguns clientes que, mesmo demonstrando condições financeiras razoáveis, insistem em querer levar o livro de graça. Como diria meu amigo Brownie: "Oportunista é o meu ovo." Mas voltando ao assunto central, percebemos que a questão social que a relação livreiro-cliente produz é muito interessante. O livreiro além de comerciante se transforma num grande garimpador de raridades e de preços em conta, saltando aos olhos em meio a um mercado tão caro e burocrático como é o do livro no Brasil. O livro usado, sai notoriamente pela metade do preço de um livro zerado. Com os descontos e as pechinchas, o valor tende a cair e com a quantia que se adquire um livro numa megastore é possível comprar vários volumes num sebo ou nas feiras do livro. Nossa conversa se estendeu a casos que já vivenciamos em nossa experiência livresca. Arthur falou sobre um rapaz que não tinha grana para comprar um obra de referência em vários volumes e que era fundamental para sua mongrafia e que acabou passando dias consultando-a na livraria com o seu consentimento. É esse tipo de atitude que transforma uma relação comercial e algo que sobrepõe-se ao dinheiro e assume um aspecto humano, coisa que já seria gratificante pelo gesto e se torna mais relevante em se tratando de livros e cultura, campo tão abandonado e relegado neste País. Outras foram as história que surgiram para confirmar nossa opinião. De fato, é perceptivel quando encontramos uma pessoa que realmente precisa de um determinado livro e não tem o dinheiro suficiente para comprá-lo. Como dizemos na feira, a primeira intenção é quebrar o preço, mas em certas ocasiões isso não é suficiente e daí surge uma incomoda e sensível questão sobre o que fazer. Já assumi algumas diferenças por perceber se tratar de algo superior ao lucro ou mesmo as leis básicas de mercado. Trata-se de alguém que mesmo com todas as dificuldades possíveis ainda inventa tempo e dinheiro para estudar, ou então de um pai ou mãe que quer que seu filho tenha uma sorte diferente e faz de tudo para fornecer-lhe as condições necessárias de um bom estudo. Ora, sensibilidade para perceber essas situações não é difícil, e o livreiro, que se faz humano e considera algo além do vil metal, sente aquse que uma obrigação em ajudar. Meu amigo Arthur, mestre Vando (Bigode), Sebastião Medeiros, Jorge Gurgel, e tantos outros livreiros que conheço e respeito me ensinaram que trabalhar com livros é trabalhar com pessoas e futuros e que não se trata de um comércio como outro qualquer. Estudei em escolas públicas, me formei numa universidade pública, faço mestrado numa instituição pública e sei como é difícil manter um curso seja em que área for. Vi algumas pessoas abandonarem os estudos por causa de grana pra passagem e alimentação, quanto mais pros livros (eu mesmo já quase tive de trancar um período por causa disso) e ainda ouço gente que pede desconto num livro de saldo de cinco reis e paga com notas de cinquenta reais. Isso, além de aborrecer, entristece. O livreiro, e me ponho aqui como o tal, tem uma importante função social sim. A mesma função de qualquer pessoa que se sente parte de algo maior e possível de se estender ao outro. A função ímpar que sempre acrescenta e solidariza. Para além do livro, só mesmo o livro.