Umas, novas, Idéias

Sunday, January 21, 2007

Videotape


Era baixo. Algums rugas, inda pequenas, lhe franziam a testa num pensamento. Andava desapercebido pelas ruas na intenção de voltar. Tinha olhos horizontais. Media as palavras. Falava pouco. Remendava assuntos antigos com fatos novos. Tinha fobia de trens. Amava a doze anos a mesma pessoa. Não era correspondido. Sempre tinha a impressão de que a qualquer momento ganharia na loteria, mas nunca jogava. Era avesso ao fumo. Bebia. Gostava de jogos, mas nunca foi de apostar. Tinha medo de tudo. Quase tudo. Estava a duas horas na mesma parada de ônibus, esperando não se sabe o quê. Ouviu um barulho. O tempo. Trabalhava com htmls e https. Tinha pouco tempo para diversão. Não se divertia. Gastava seu dinheiro honestamente nos bordéis. Escrevia tolices, e as punha em versos. Fez sinal. O ônibus abriu a porta. Subiu. Pagou. Sentou. Partiu sorridente para um rumo desconhecido, ainda que se tivesse passado apenas uma esquina. Da janela desprendia um vento agudo.Olhava adiante e não via nada distinguível. O passado seguia a estrada, um pouco a frente. Sempre a frente. Todavia era noite. Tinha olhos horizontais. Não se esquecia das palavras de seu amigo: "Ame todas as mulheres tristes." Gostaria de entender. Desistiu. No fim, percebeu ser bobagem. Fez sinal. desceu. Resolveu voltar a pé. Eram só cinco quadras. Tempo bastante pra pensar na vida.

Saturday, January 13, 2007

A poesia achada de INTERNAÇÕES


Nos idos de 2006, recebi pelas mãos do autor um pequeno livreto de poemas intitulado Internações. Na época, em meio a muita bebida e comida de qualidade, quase não me apercebi dos versos que povoam as dezoito páginas que formam o volume. Dia desses, remexendo aquela caixa de papelão que todo ser humano que se preza tem no canto do quarto, encontrei o poemário do senhor Lustosa da Costa. Resolvi ler com a calma necessária. É engraçado como conseguimos nos surpreender ainda nesse mundo. A reunião de poemas do senhor Lustosa reitera a fé itinerante dos que ainda almejam por ler interessantes e atuais versos. O que torna o livreto mais agradável é perceber como o autor se desdobra nas palavras e em suas tentativas de atingir as imagens que deseja compor. Aberto pelo poema Outra lírica, uma espécie de prefácio versificado, o poemário segue num ritmo que mescla homenagens e referências à Adélia Prado, Ferreira Gullar e Guimarães Rosa, com sutilezas literárias como a do belo poema Vamos comer Clarice :

Vamos comer Clarice
Temendo querendo te-la
Em suas partes mais íntimas, tangíveis.
Dar dor à Clarice que nos doa
Impiedosamente detalhista
Profunda, profícua.

Ou ainda no cartográfico Rodoviárias, no qual encontramos uma voz poética preocupada com a estética do verso, mas sem abandonar seus temas atuais e, porque não dizer, atemporais na tentativa de retratar o homem em seu ambiente de vida, no movimento:


Existe um povo estranho ao redor das rodoviárias. É um povo seco – que se
hidrata nos bares. Um povo só – que se acompanha nos prostíbulos, com
a alegria evasiva dos puteiros. Com a fé imoral dos fanáticos. Um povo
que tem, em suas veias agrestes, levantado cidades cheias de saudades
e sonhos. Os pés Di Cavalcanti, os retirantes Portinari e uma baleia
latindo aos pés. Um povo de choro quente e difícil.

É claro que Internações também tem seus momentos poeticamente complicados, desses que nos fazem lembrar de poemas de outrora como Baleias, mas os momentos felizes são superiores e chegam a pontos altos como o dos poemas citados e do excelente Poesia diária. No pequeno universo poético criado por Lustosa da Costa nessas dezoito páginas o que sobressai é a nítida intenção de se fazer algo novo, mas sem as pequenas especulações meramente estéticas. Algo em que encontramos um comprometimento sadio com a literatura e com os temas escolhidos pelo autor. Um comprometimento com a palavra escrita e seus ecos no em branco da folha.

Para os que se interessarem e quiserem ler mais de Lustosa da Costa:
http:://ideiasaderiva.blogspot.com

Tuesday, January 09, 2007

2007, lembrança de outros anos



Há alguns bons anos atrás, fui participar de um evento literário no auditório do tribunal de contas do Rio de Janeiro. Lá estavam escritores e jornalistas fluminenses, talvez não os mais relevantes, mas certamente os mais experientes, maldosamente falando. Vimos a apresentação de alguns dos citados figurões e, depois de um tempo, chegou a vez dos mais jovens, no qual me incluo aqui, recitarem alguns de seus poemas. Imaginem. No fim, alguém muito inspirado deu a brilhante idéia de juntarmos todos para tirar uma fotografia que ‘eternizasse’ o momento. Meu pai, que estava presente, parou entre meu primo e eu e disse a frase mais relevante daquela tarde: “Sorriam, pois, para muitos aqui, essa fotografia pode ser a última.” Pois é, depois disso outros anos vieram e trouxeram muitas histórias boas, das quais não me lembro de todas, mas sei que estão aqui guardadas, prestes a aparecer ao primeiro cheiro de uma Madaleine. Dois mil e sete me parece ser o ano apropriado para isso. Essa semana e meia vem mostrando que não se deve planejar nada mesmo. As coisas acontecem independente da nossa virtuosa mania de comandar o mundo. E essa sensação, de deixar que as coisas corram por si só, deixa mais tempo para que as lembranças aflorem e as histórias me reapareçam com mais graça e realidade que no próprio dia em que aconteceram. O natal dos sem família em 2005, com a inesquecível cena de Fabiano Morais aparecendo do nada para elogiar o sanduíche de pernil do Cervantes. O dia em que eu e dona Norma raspamos quatro tabuleiros onde foram assados os frangos de um natal distante. O bloco do ‘Se melhorar afunda’; os ciclos do Conversando Literaturas; a sessão de Blow-up; e tantas outras histórias que esse grupo de amigos dedicou ao caráter fixador do tempo. É o tempo que me parece a chave para entender essa coisa que chamamos de vida. Não, não se trata de entender o tempo. Trata-se de não leva-lo em consideração, pelo menos não como querem que levemos. Eu quero estar aqui agora, escrevendo sobre coisas sem importância, imaginando meus cinco ou seis leitores eu conhecem e visitam esse endereço eletrônico, sem me preocupar com a hora em que vou terminar o texto. A memória involuntária de Proust e seus caminhos de Swann são um pouco disso. Espero que essas linhas tragam outras lembranças de nosso tempo à mente dos que por aqui passarem. Dois mil e sete e o nosso eterno jogo de lembrar e de esquecer.